Na saga de encontrar uma série para viciar na Netflix, caí em “Faz de conta que NY é uma cidade“. Uma série documental. Uma conversa entre Martin Scorsese e uma humorista. Um cartaz com uma ilustração linda. Arrisquei e mergulhei.
E não é que me apaixonei pela Fran Lebowitz, humorista retratada no documentário? Uma mulher que tem aquele humor mal humorado e característico de poucas pessoas. Tem gente que é mau humorada e se acha engraçada: uma péssima combinação. Quem tem o humor mau humorado é assim espontaneamente. A pessoa está pê da vida e não te contamina com a raiva, pelo contrário: te libera endorfina e a vontade incontrolável de rir.
Fran é assim. Conta histórias icônicas de NY, assume que é péssima em investimentos (a única vez que tentou um risco maior, fez um péssimo negócio) e ainda foi amiga do Andy Warhol. Terminei a série e fui logo procurar o livro dela pra comprar. Não achei nenhum em português, mas descobri que seria lançado alguns meses depois. Lançaram. Comprei. Amei? Não.
“O Almanaque de Fran Lebowitz” é um livro de crônicas escritas entre 1978 e 1981. Fiquei intrigada com o meu incômodo sobre o livro, sendo que ao mesmo tempo tinha achado o documentário tão interessante… Foi aí que percebi que a diferença entre as duas obras era uma: 40 anos de distância entre elas.
Eu amo crônicas exatamente pelo fato de retratarem as reflexões e comportamentos de um determinado tempo (chronos, em grego). Porém, o que era aceitável em 1981 talvez seja considerado contra a lei em 2021, ou no mínimo, passível de cancelamento, ou bobo, ou desnecessário.
Quando eu publiquei meu livro de crônicas “Escrever é Terapia. Publicar é Coragem”, já tinha passado 7 anos da minha primeira crônica. Na fase de seleção dos textos que iriam para o livro, eu fiquei em dúvida se eu deixaria de publicar algumas delas. Optei pela metalinguagem do “Minha vida é um livro aberto” e, ao abrir o livro, o leitor verá todas as minhas crônicas, sem edição, publicadas de 2013 a 2018.
Hoje, 10 anos depois da minha primeira crônica, lanço esse projeto SerEstar, com uma releitura de cada uma das 50 crônicas de “Escrever é Terapia. Publicar é Coragem”. Nessa releitura, pode ser que eu reescreva algumas, promova conversas gravadas sobre outras, faça uma colagem dessa ou daquela, ou grave em áudio as que eu considerar mais especiais.
SerEstar é uma reflexão sobre esses dois verbos que, em alguns idiomas, se integram em um só (to be, por exemplo). Na maior parte do tempo, mais estamos do que somos. O que eu escrevi há 10, 5 ou um ano, representa o que eu estava naquele momento. Será que somos algo, definitivamente? Ou o verbo ser deveria ser intransitivo, como na tradução de Ubuntu? Ubuntu, do idioma zulu: Eu sou porque nós somos.